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DOIS LIVROS LEGAIS

Livros/Lançamentos

autorGilberto Schoereder
publicado porGilberto Schoereder
data05/04/2016
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Chega na edição em papel O Trono do Sol – A Magia da Aurora, terceira é última parte de O Ciclo Nessântico. E também Golem e o Gênio, da estreante Helene Wecker.
Quem acompanha futebol certamente deve se lembrar do comentário edificante de Carlos Alberto Parreira ao afirmar que o gol era “apenas um detalhe”. Parece que o mesmo tipo de pensamento acompanha as ações da Leya Editora no Brasil com relação ao seu público.
Depois de conseguir a façanha de publicar o gigantesco Livro Cinco de As Crônicas de Gelo e Fogo – A Dança dos Dragões, de George R.R. Martin, faltando um capítulo, conseguiu atrasar o lançamento em papel do terceiro livro da série O Ciclo Nessântico, O Trono do Sol – A Magia da Aurora (A magic of dawn, 2010), de S.L. Farrell (Stephen W. Leigh); o segundo livro havia sido lançado em 2013. Durante o ano de 2015 só se conseguia o livro na versão eletrônica, e os contatos com a editora para saber do lançamento resultavam em respostas lacônicas, quando elas vinham. Na época, cheguei a pensar que era eu que estava apressadinho, e resolvi pesquisar na internet, encontrando dezenas de leitores raivosos pela pouca atenção que recebiam em suas igualmente fúteis tentativas de saber quando poderiam ler a parte final da história.
Pois bem. Em janeiro, finalmente chegou a versão em papel, e é claro que a distância entre os volumes 2 e 3 fez com que eu precisasse reciclar algumas informações básicas sobre as personagens e o ambiente em geral, o que, ainda bem, é apresentado nos apêndices ao final do livro.

Seja como for, é uma das mais interessantes histórias de fantasia dos últimos tempos, contando a trajetória de um império e, principalmente, de uma cidade, Nessântico, que é apresentada pelo autor como uma personagem, no sentido histórico de permanência, de algo que se mantém apesar das pessoas que brigam pelo poder, das invasões e lutas sem qualquer outro sentido que não seja o da expansão desse poder. Farrell prepara os leitores para aceitarem a cidade como personagem publicando o mesmo “Prelúdio” em todos os volumes, com o texto dizendo que “Se uma cidade tivesse sexo, Nessântico seria mulher...”
Neste terceiro volume acentua-se ainda mais a divergência entre a religião e uma ciência ainda incipiente. Uma das cientistas mais influentes de Nessântico, em determinado momento diz sobre a magia e a tecnologia que “(...) não havia diferença: ambas eram produtos da lógica, raciocínio e experimentação”. Magia e tecnologia são, basicamente, a mesma coisa, no mundo criado pelo autor.
A magia é real, o poder que os que a controlam possuem, é real, ainda que dependa de treinamento, experimentação. A diferença está na compreensão dos fatos. A frase acima só poderia ser elaborada por alguém com pensamento científico; só as pessoas que seguem esse tipo de pensamento lógico conseguem perceber que o poder da magia existe independentemente da fé religiosa a ser seguida. Para os religiosos, o conhecimento da magia não é fruto da lógica, raciocínio e experimentação, mas sim um dom outorgado por Cénzi, o deus supremo da fé concénziana; ou por Axat, a deusa-lua dos tehuantinos, os orientais que, mais uma vez, invadem os Domínios.
Os extremistas das religiões não apenas querem que a sua visão da fé prevaleça, custe o que custar, mas querem estendê-la a todos; quem não segue a fé de acordo com o que eles entendem que ela deva ser, devem ser eliminados. Algo a que já estamos acostumados a ouvir e presenciar no planeta, em especial nos últimos anos.

 
O Trono do Sol - A Magia da Alvorada

O Trono do Sol - A Magia do Anoitecer
 


Golem e o Gênio (The Golem and the Jinni, 2013) é bem impressionante, especialmente tratando-se de um primeiro livro. O artigo existente no título da edição original foi omitido na tradução para o português, talvez para não estragar a surpresa, que nem é tanta assim, uma vez que surge no início do livro. É que “o” golem é, na verdade, “a” golem.
A história situa-se em sua maior parte na cidade de Nova York, na virada para o século 20, já uma metrópole, mas ainda definindo sua identidade, em particular no que diz respeito às diversas comunidades de imigrantes estabelecendo-se em bairros específicos. No caso, os árabes e judeus recebem maior atenção, uma vez que o golem é uma criatura da mitologia judaica europeia, enquanto os gênios pertencem à mitologia árabe.
No livro, as duas criaturas são reais e, mais do que isso, têm personalidade e pensamentos próprios, por mais confusos que estes possam ser, às vezes.
A golem foi criada para ser esposa de um homem, mas acaba vivendo livre na cidade, tentando entender sua natureza e a natureza dos seres humanos à sua volta. O gênio é libertado de sua garrafa por acaso, e também vagueia pela cidade, tentando conviver com os humanos que só consegue compreender parcialmente, e contendo a ira de ser um prisioneiro, sonhando com o tempo em que vivia livre nos desertos.
O encontro dos dois seres é inevitável, acrescentando mais um fator complicador em suas vidas, uma vez que nada sabem da natureza um do outro. Mais do que isso, para continuar vivendo em relativa paz e segurança no nesse novo mundo, eles precisam suprimir sua verdadeira natureza, adaptando-se à vida na cidade grande, com sua mistura de antigas tradições e novas formas de pensar e ver a vida em sociedade.
Uma boa leitura que, segundo a autora, deverá ter uma sequência – é claro – com o título anunciado The Iron Season, programado para 2018. Mas este pode ser lido sem se pensar no próximo, uma vez que a história é fechada. E, mais uma vez, uma beleza de edição em capa dura da Darkside, uma editora que tem publicado excelentes títulos nos gêneros fantasia e ficção científica.
Em 2014, o livro foi indicado para os prêmios Nebula e o World Fantasy Award, como melhor livro.