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De Volta ao Planeta Gong

Música

autorGilberto Schoereder
publicado porGilberto Schoereder
data11/02/2010
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O grupo de rock francês Gong completa sua quadrilogia com o álbum 2032
De Volta ao Planeta Gong

Gilberto Schoereder

Gong, grupo de rock multinacional sediado na França a partir do final dos anos 1960, está entre os mais criativos de sua época, com trabalhos estendendo-se aos anos 1980 e, agora, aos anos 2000.
Em 2009, os “velhinhos” do Gong lançaram o álbum 2032, que dá sequência ao que, até então, era uma trilogia – a Radio Gnome Trilogy –, formada pelos álbuns Flying Teapot (1973), Angel's Egg (1973) e You (1974), trazendo personagens e temas que resultaram em seus melhores discos.
Na época do lançamento deste 2032, em algum momento do segundo semestre de 2009, uma crítica alertava que as pessoas que nunca ouviram o Gong, ou pelo menos não conheciam a trilogia, ficariam completamente perdidos com a história que as músicas contam. E é verdade. As letras são incompreensíveis para quem não acompanhou as aventuras anteriores.
No entanto, a parte musical propriamente dita, o ambiente melódico do álbum, traz de volta o que o Gong fez de melhor. Não apenas porque são executadas por músicos de primeiríssima qualidade, mas porque o Gong sempre foi marcado pela criatividade, pelo não convencional. Eles são capazes de construir algo totalmente inédito até mesmo a partir de um ritmo básico como o das "tecno bostas" das pistas de dança e raves do planeta. É sempre difícil imaginar em que direção a música vai seguir, porque parece que a cabeça deles – em particular a de Daevid Allen – funciona num ritmo ligeiramente diferente. Talvez ele seja louco; não sei.
Allen foi um dos fundadores da banda, juntamente com a hoje quase octogenária Gilli Smyth, a vovó festeira do grupo. Já li alguns textos sobre o Gong e parece que ninguém sabe ao certo qual é a de Daevid Allen e das músicas do Gong, assim como a história que ele conta a respeito de sua fundação; pode ser verdade, pode ser viagem de cogumelo ou pode ser apenas a mitologia que ele construiu em torno da banda, além de ser uma forma engraçada de passar sua mensagem, o que inclui, para desespero de muitos, preocupações ecológicas, sátiras políticas, canalizações de mensagens extraterrestres e uma postura "salvem o planeta" bem típica da chamada Nova Era, ainda que eles estivessem longe da Califórnia, a Meca desse tipo de postura.

O Gong nunca foi muito conhecido no Brasil, e mesmo na Europa sempre esteve mais restrito a um ambiente alternativo. Navegando pelo rock progressivo, jazz-rock e com muita utilização do que se convencionou chamar de música eletrônica – na época, marcada pelo chucrutes do Kraftwerk e, principalmente, pelo Tangerine Dream – o Gong nasceu de uma viagem, real ou imaginária, do australiano Daevid Allen.
Ele foi um dos fundadores da banda inglesa Soft Machine, em 1966, grupo que costumava dividir os palcos com o Pink Floyd, no início de carreira. Allen nem chegou a participar da gravação do primeiro disco do Soft, em 1968, porque teve sua entrada na Inglaterra impedida após voltarem de uma excursão pela Europa. Ficou na França, participou dos protestos que ocorriam na época, fugiu da polícia e foi parar na vila de Deiá, na ilha de Maiorca, com Gilli Smyth, onde gravou o primeiro disco do Gong, Magick Brother (1969).
Mas a história mais estranha é a das influências de Allen. Musicalmente, vai saber. Provavelmente, Frank Zappa, se é que Zappa também não foi influenciado pelo Gong e Allen. Allen Ginsberg e William S. Burroughs foram influências declaradas, e a filosofia de Sun Ra, famoso e polêmico músico de jazz do Alabama, inventor da "filosofia cósmica", a partir da qual ele dizia ser da Raça dos Anjos, e ter vindo de Saturno. O que ele chamava de "equação", em vez de filosofia, tinha relação com mensagens canalizadas e com o gnosticismo, uma vez que via o deus das religiões como um deus falso e ruim.
Mas no que diz respeito ao Gong, ou Planeta Gong, a história começa, segundo Allen, em 1966, quando passou por uma experiência a partir da qual teve a impressão de ser um experimento, supervisionado por inteligências muito além de nossa percepção. Posteriormente, chamou esses seres de "octave doctors" – os doutores das oitavas, numa relação nítida com a música que o Gong faria. O próprio planeta Gong é descrito como um mundo esverdeado, desconhecido dos astrônomos, situado no sétimo céu e que funciona de acordo com as leis da música das esferas.
Os doutores são gurus benevolentes e sábios; protegem o planeta e aconselham as famosas Pot Head Pixies, as fadas que aparecem em várias capas de seus discos, pequenas criaturas com cabeças pontudas com hélices, que são receptores do Radio Gnome Invisible, uma rede de rádios telepáticas pirata, funcionando de cérebro a cérebro a partir do planeta Gong, por meio de um transmissor de cristal. A forma de governo dessas fadinhas é a floating anarchy, anarquia flutuante. Seu principal meio de transporte são os bules de chá voadores.

Parece que todos esses detalhes vieram depois, mas na época, Allen viu a si mesmo diante de um grande público num festival de rock, sentindo uma imensa conexão com as pessoas, um sentimento muito grande de amor, enquanto era cercado por um "enorme cone de luz etérica".
A primeira tentativa foi com o Soft Machine, ainda em 1966, mas, segundo Allen, a banda não tinha a integridade espiritual que ele procurava. No entanto, foi no Soft Machine que ele teve seu primeiro contato com Gilli Smyth.
Quando foi para Paris, impedido de entrar na Inglaterra, ficou realizando experiências com a guitarra e instrumentos cirúrgicos ginecológicos do século 19, com uma caixa de eco, procurando obter novos efeitos sonoros. Segundo ele, foi inspirado pela atuação de Syd Barrett com o Pink Floyd, no Ally Pally (Alexandra Palace, em Londres).
O início da viagem do Gong só surgiu em 1969, com Magick Brother (no site do Gong, apresentado como Magic Brother/ Mystic Sister). Foi a época em que Daevid Allen diz ter reencontrado sua conexão com a visão original, aquela de 1966. Ele entendia que era um dos instrumentos para criar uma revolução espiritual e cultural, e estava muito claro que o riso era um ingrediente vital para isso; "o absurdo era o escudo ideal", disse.
A partir daí, o Gong subiu em seus bules de chá e viajou pelos planetas Gong e Terra, com uma variedade de músicos entrando e saindo da banda, com destaque para o guitarrista inglês Steve Hillage e o baterista francês Pierre Moerlen (falecido em 2005), que depois da saída de Allen levou adiante seu próprio projeto do Gong, mas com um tipo de música diferente. Hillage continua por aí e, com Miquette Giraudi (também do Gong), participou do álbum Spirals in Hyperspace (2004, pela Magna Carta), da excepcional banda instrumental inglesa Ozric Tentacles – que, aliás, tem viagens melódicas muito inspiradas pelo Gong, ainda que mais pesadas.
É possível encontrar alguns CDs e DVDs do Gong no Brasil, especialmente importados, até mesmo em lojas como Submarino, Livraria Cultura e Fnac. Mais fácil, é encontrar os originais na Galeria do Rock, em São Paulo, ou em algum lugar semelhante em outras cidades do Brasil.
Para quem quer sair do marasmo, vale a pena conhecer a banda.